Eu sempre me senti muito sozinha. Na infância
cercada de gente me paparicando eu sentia que era preterida, que as pessoas
gostavam menos de mim do que das outras crianças. Achava que meus pais
preferiam minhas irmãs. Os meus avós eu julgava que preferiam meus primos e eu
me considerava sozinha.
Na adolescência a coisa foi piorando por que
mesmo cercada de grandes amigos e amigas, que tenho até hoje, eu me sentia
sozinha, isolada. Não entendia o porque. Em épocas eu julgava que as pessoas se
afastavam de mim por que eu era feia. Em outras épocas eu achava que era por
que nossos interesses não eram compatíveis, já que esta época eu fugia dos meus
medos e dos meus questionamentos me enfiando em leituras. E por isso sentia uma falta imensa de pessoas
com quem eu pudesse “trocar figurinhas” sobre as obras de Érico Veríssimo,
Machado de Assis e Agatha Christie, Sidney Sheldon, Jorge Amado e Eça de
Queiroz, que eram os meus “preferidos” aos quinze anos.
Acho que era uma pessoa estranha que oscilava
entre a necessidade gritante de ser popular e de uma ânsia agonizante de ter
conhecimento. E eu sofria nesse conflito e não percebia que eu estava cercada
de pessoas que me amavam pelo que eu era e que me admiravam pela minha busca de
conhecimento e pela dedicação aos amigos.
Era uma oscilação em polos tão distintos que
hoje eu analiso e me assusto. Queria incessantemente ser como a Sandy, linda
meiga, querida e admirada. Mas, em contrapartida, eu era apaixonada por Hilda
Furacão, personagem principal de uma obra literária que virou minisserie de TV
e que foi interpretada por Ana Paula Arósio. Queria a força, a determinação e
no fundo a admiração que todos, mesmo os que detestavam Hilda Furacão, tinham
pela personagem.
No ensino médio me cerquei de quatro ou cinco
amigos, na verdade grandes amigos. Achava que as outras pessoas não tinham o QI
equivalente ao nosso, que não tinham a nossa simpatia e nem o nosso bom gosto
para as roupas. Afinal, estava deixando de lado a menina meiga que chorava por
ser se sentir excluída para ser uma pessoa um pouquinho mais forte e mais dura.
Na época da faculdade criei uma espécie de
rejeição ao estereótipo que fizeram dos alunos do meu curso. Tudo que eu não
queria era ser como eles. No fundo eu entendo que não queria ficar no meio
deles e me sentir apagada, como mais uma entre tantos. Não queria ser militante
de esquerda, não queria recitar Karl Marx, não queria subir a serra e ir passar
finais de semana em festas alternativas em Taquaruçú. Não conseguia me ver uma
“riponga”.
Por isso construí amizade e relacionamentos
fora desse circulo. Na faculdade eu era amiga dos meninos e das meninas na
Engenharia Ambiental, que na época não era curso de ripongas, a ponto de
algumas pessoas acharem que eu fizesse este curso. Considerada por professores
e por profissionais como uma pessoa
talentosa eu sofria ao ver trabalhos ruins sendo desenvolvidos, profissionais
medíocres sendo ovacionados e, principalmente, em ver a falsidade imperar.
Queria muito mudar isso.
Me formei cheguei ao mercado de trabalho cheia
de gás e de ideias novas. Passei por agencias, produtoras, redações,
assessorias, escritórios de eventos e percebi que a mesma inquietude da minha
infância continuava dentro de mim. A insegurança de não ser aceita, o medo da
rejeição, o medo de se taxada de feia ou de burra, um medo gigantesco de ficar
sozinha, isolada. E, por causa desse medo me isolei diversas vezes. Me escondi.
Evitei rodas sociais, confraternizações. Construía relações profissionais, com
medo de abrir a guarda e permitir que relações pessoas me magoassem ou que
descobrissem que não era exatamente como a máscara que eu mostrava.
Criei uma arredoma, um campo de força onde
apenas as pessoas que eu julgava com merecimento podiam entrar e conhecer a
verdadeira Fernanda. E era inevitável
que as pessoas de fora questionassem os frequentadores da arredoma como era
possível conviver com a pessoa
insensível, dura e rude que estava fora do campo de força.
Nessa época eu acreditava que se eu me tornasse
totalmente fria e sem sentimentos, uma espécie de “Dama de Ferro”, seria mais
fácil ser feliz. Um grande engano. Sofri demais com isso. Como toda escorpiana
sou possessiva e obstinada e cuido do que é meu. Isso inclui meus amigos.
Demorei a entender que o fato deles serem meus amigos não os impedia de ser
amigos de outras pessoas e nem os obrigava a ter que concordar com tudo o que
eu pensava. Na verdade, hoje eu tenho
certeza que meus melhores amigos são aqueles que sempre tiveram coragem de me
falar de peito aberto e sorriso no rosto que eu estava errada e que eu não me
conhecia o suficiente para saber o que eu queria da vida.
Quantas vezes me disseram “saia da Terra do
Nunca. Tire a armadura. A vida é mais fácil e mais gostosa do que essa guerra
que você trava diariamente entre as duas pessoas que você vive. Você e o seu
personagem”. Demorei a entender o verdadeiro significado disso. Precisei encontrar uma pessoa com que me
identifiquei demais e que me vejo nela há 10 anos para entender o que me diziam.
Com cinco anos a menos que eu, uma amiga, que
já é extremamente especial, repete os mesmos erros e me faz voltar a situações
praticamente idênticas as vividas por mim e me faz repensar em todos os meus
conceitos. Nessa revisão de valores percebi que tive a melhor infância do
mundo. Com pais amorosos,atenciosos e dedicados. Com duas irmãs meigas, lindas
e determinadas e com amigos que amam ao ponto de suportar junto comigo todas as
crises que vive até hoje.